sábado, 29 de setembro de 2007

RIO SARDOURA - SABEM QUEM SOU?

S.O.S!!!
( TEXTO INICIAL PARA SER CONTINUADO... )

Ninguém já se lembra como nasci.
Venho das fronteiras de Arouca e por curvas e contracurvas, atravesso a extensa freguesia de Real, passo pela freguesia de Sobrado, volto a Real (em Nojões), atravesso pelas freguesias de S. Martinho e de Santa Maria de Sardoura, onde recebo a Ribeira de Sá e, juntos, vamos até ao Rio Douro, ali pouco abaixo das pontes de Entre-os-Rios.

Perto da minha nascente, no Freixo, quiseram apresar-me numa barragem que morreu antes de o ser, ficando pequenina e inacabada. Chamam-lhe Barragem do Seixo...

Passo por debaixo de muitas pontes (em pedra, em cimento, em madeira...)

Tangi muitas mós de moinhos de moer cereais (milho, centeio, trigo), que deram muito pão e alimento para animais (no verão era ajudado nesta tarefa pelo Rio Paiva, que lá moía e mandava a farinha para os meus moinhos...).

Deixei que as minhas águas fossem domesticadas por muitos açudes, que me divirto a descer, em cascata, quando ando mais forte.
Por levadas conduziram a minha água por ribeiras, campos e lameiros e lá a deixaram de lima para regalo do azevém e outras ervas que deram de comer a muitos bovinos e outros herbívoros. Do São João à Senhoras das Amoras tapavam toda a minha água nos açudes ou outras presas estivais e lá me vinham buscar pelas levadas de consortes (algumas de muitas centenas de metros) ou para uma propriedade solitária, servindo para matar a sede e fazer medrar os milheirais, os feijoais, os linhais...

Às vezes enfureço-me, quando o céu se abre sobre mim e me assustam os trovões. Então, desato numa correria louca, saio do meu leito, espraio-me pelos campos, subo borda acima nos desfiladeiros, derrubo árvores, faço cair muros e pontes, rasgo sulcos profundos a cortar curvas, levo até moinhos à minha frente e outras edificações, isolo povoações que não deixo passar para a outra margem e até já matei pessoas nesse estado de alteração e corrida desabrida até ao
Douro. Podem censurar-me, mas não é por mal - faz parte da minha natureza, fui feito assim.

Em compensação fui construindo um profundo vale, entre montanhas. Algumas mais duras continuam a apertar-me e eu encolho-me, em desfiladeiros. Dei-vos e ainda dou lindas paisagens verdejantes; abriguei e fui berço de melros e outras aves; servi de corredor a velozes e coloridos pica-peixe... Criei recantos de sonho, trechos sagrados...
Povoam-me peixes e andam pescadores pacientemente pelas minhas beiras a tentar apanhá-los. Há lontras, pois descobriam que há uma truticultura, com milhares de trutas, quando entro em São Martinho, e divirto-me a ver algumas a fugir por mim acima...

Ando agora muito triste e aflito. Ouço dizer que vão profanar as minhas margens, esventrá-las, enterrar nelas grandes condutas e casar-me com um grande canal de esgotos vindos de muitos lugares, que nunca conheci.

SOCORRO! NÃO ME MATEM! CONSERVEM AS MEMÓRIAS DE MIM! REALIZEM AS ESPERANÇAS, OS SONHOS DE MIM, SEM ME TIRAREM A MINHA NATUREZA! DEPOIS JÁ NÃO SERIA EU!


FALEM DE MIM! TIREM FOTOGRAFIAS DE MIM E DÊEM-NAS AQUI A CONHECER!
SALVEM-ME!
....
Rio Sardoura
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(escreveu Gouveia Coelho)